Feliz natal para quem? Fim de ano longe do Brasil. Um manifesto sobre as “felizes festas”.
Seja Natal, Hanukkak, Thanksgiving, Sinterklaas, Ano Novo ou qualquer outra celebração, para muitas pessoas é, na verdade, um período extremamente difícil. Então esse é um pequeno manifesto para desidealizar este momento. Porque há um montão de emoções e sentimentos que, a gente querendo ou não, são convidados dessa festa.
Já faz semanas que as pessoas a minha volta falam sobre seus planos de fim de ano. Que as ruas estão lindamente iluminadas e as lojas abarrotadas de enfeites e promoções. Já começo a ver fotos bonitas e felizes no Instagram deste momento que consegue ser sempre super especial, não importando todo o caos e ameaças de restrições pandêmicas. Parece que tá todo mundo fazendo algo incrível ou viajando.
Qual o problema disso?
Talvez a gente se sinta mal e pense que tem algo de errado com a gente ou com a nossa vida. “Por que eu estou desanimada?” “Não deveria estar um pouco mais feliz?” “Sendo grata?”
Isso só gera mais sofrimento, quando, em realidade, estamos respondendo de maneira bastante coerente a tudo que está acontecendo. E que, independente da nossa vontade para que seja diferente, está sendo como é possível ser.
Pouco se fala sobre isso,
mas este pode ser um momento disparador de memórias de sofrimento e traumas. Algumas pessoas estão sozinhas em outro país e não tem com quem celebrar esses feriados. Ou não vão poder ir ao Brasil para se juntar com a família e as amizades queridas. Enquanto outras estão em luto por alguém que não estará mais presente. Muitas pessoas não vão ter os meios financeiros para celebrar e muitas outras estarão justamente trabalhando ainda mais. Podemos então estar experimentando doses de desamparo, frustração, decepção, tristeza ou solidão. E nesse sentido, colocar um rosto feliz pode ser um esforço doloroso.
Além disso, este é um período que nos leva a fazer balanços. Talvez essas datas no calendário sirvam mesmo para isso, para a gente perceber a passagem do tempo. Pausamos o automático e repensamos o que fizemos e o que ainda queremos fazer. De nós e do nosso tempo. No entanto, ao fazer esse repasso podemos nos encontrar com metas não cumpridas, com muitos “e se…”, podendo gerar sensações bastante incômodas.
Sendo assim, é esperado ter um misto de emoções e sentimentos que não vai caber só no “feliz”. Porque são dias como outros. O que faz ser diferente é o que se monta envolta desses dias a partir de uma estrutura social normativa que se atualiza ano após ano para tecer um contexto que, em alguma medida, pode ser cruel com muita gente.
Por exemplo, somos socializados para juntar a família. Porque sim, porque sempre foi assim. Sem ter, muitas vezes, genuinamente a vontade de se estar junto, afinal família também são vínculos construídos. Algumas pessoas tem relacionamentos tensos com parentes o que faz com que esse período seja complicado. É curioso né, que se tire tanto sarro dos dramas das reuniões familiares nas conversas cotidianas e nos filmes natalinos – a gente sabe, mas segue fazendo o mesmo. Esperando o mesmo. Ou esperando que este ano vá ser diferente. Sem se perguntar o que é realmente que a gente quer e como pode mudar.
Somos socializados também a reproduzir tradições religiosas, até mesmo quando não compartilhamos dessas tradições. Muitas dessas datas foram festivos pagãos reeditados pelas instituições religiosas e que, por sua vez, foram capturados pela lógica de mercado, pela cultura do consumo. Compramos, gastamos e damos presentes, para sentir-nos gratas e felizes. Premiamos e recompensamos “as boas crianças” com produtos.
Já reparou que essa mesma lógica que exige a felicidade é a mesma lógica que cria a falta, que faz a gente se sentir insuficiente e que não dá conta? Precisamos consumir para sentir mais, viver mais e sentir-nos um pouco mais suficientes. Além de ser uma lógica bastante individualista que responsabiliza unicamente o individuo pela sua felicidade, sem levar em consideração as condições de vida que se apresentem no momento, que vai muito além do ter força de “vontade”.
E então, diante de tantas expectativas sociais sobre este período, e se não acontecer nada?
Pois é, somos pressionados pelo ideal de como deve ser. E os ideais sempre são problemáticos, porque são rígidos, só cabe uma maneira de ser e qualquer outra coisa está mal.
É claro que sempre há o que celebrar, mas talvez para muita gente – e este pode ser o seu caso – não tenha tanto assim em um ano de muitas mudanças, perdas, encerramentos e saudade. Ou celebrar o que há, mas tudo bem se não tiver fogos de artifícios, entende?
Tentar fazer de tudo para se sentir bem e quando só se pode “estar bem” de uma determinada maneira, é muito pesado.
Os rituais e as tradições sempre vão ser culturais e carregar normas, longe de mim tirar sua importância, afinal eles cumprem uma função social, seja gerar pertencimento, celebração ou comunidade. Mas que dentro desse contexto a gente se engaje para ter consciência e uma margem de liberdade para escolher como queremos viver este momento.
Claramente este manifesto tem raiz na minha história que nunca foi de juntar família grande, na maior parte dos anos era minha mãe, meu pai e meu irmão. “E quais os teus planos para este fim de ano?” Não tenho, porque ainda não sei e porque eu também decidi tentar me encontrar confortável nessa resposta. Porque também aprendi que aqui tudo muda muito rápido.
Estar comigo mesma e me acompanhar…
tem sido o maior aprendizado vivendo longe das minhas raízes. E isso significa estar disposta a sentir saudade, estar comigo naquele instante que eu gostaria de estar dando umas boas risadas com minhas amigas queridas ou estar aconchegada conversando com a minha mãe como se eu pudesse esquecer de todos os problemas enquanto estou ali com ela.
É estar satisfeita comigo por estar onde eu estou agora, sendo quem eu estou podendo ser, construindo a vida que eu quero e escolho ter, dando passinhos em direção a isso. Ainda que isso signifique entrar em contato com a falta, com o que ainda falta por aqui.
Me acompanhar implica observar a dor no peito e o nó na garganta por saber que eles também estão sentindo a minha falta por lá e por eu não estar vendo de perto seu envelhecer. Estou feliz por todos os meus esforços nesse sentido, especialmente por estar acompanhando outras pessoas nesse processo. Isso me fortalece!
Talvez esse manifesto seja para mim mesma, já que não vou poder voltar ao Brasil como eu vinha fazendo, mas eu espero que ele também te toque de alguma maneira.
Te convido, se fizer sentido para você,
a fazer resistência e se questionar por que tem que ser um dia tão especial? E melhor ainda, “para que” tem que ser especial?
Se você pudesse escolher qualquer coisa, como você gostaria de passar esse fim de ano? O que você pode fazer por você e para você nessa direção? Incluindo aquilo e quem é valioso para você?
Vale se dar um agrado, fazer algo que goste e descansar porque a gente merece isso sempre, ainda mais depois de um ano exaustivo. Celebrar a nossa existência, resistência e sobrevivência.
Espero que você possa encontrar a sua resposta e seja ela qual for, que você fique bem com ela.
E se apertar peça ajuda.
Agora, se esse momento é mágico para você ou se você enxerga tantas outras coisas que eu não estou considerando aqui, que bom!
Como eu disse, é uma pena que os ideais ignorem as múltiplas possibilidades.
Então eu termino não desejando felizes festas para você, e sim desejando que você dê espaço ao que sente, e que esteja aberta e disposta a viver este momento tal e como ele se apresenta e, assim, se acompanhar de maneira mais compassiva e amorosa.
E, por último, eu espero que você também possa ser compreensível e sensível a outras pessoas, porque mesmo vendo fotinhos no Instagram a gente nem sabe o que realmente está passando em cada um.
Obrigada por me ler e espero que você sinta o meu abraço daí de onde você estiver.
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Quem escreve:
Luiza Sbrissa é Psicoterapeuta especializanda em Terapia de Aceitação e Compromisso e Mindfulness, e se dedica a ajudar brasileiros/as e hispanohablantes que vivem no exterior a melhorar sua saúde mental e bem-estar. Com formação em Psicologia e Mestrado pela Universidade Federal de Santa Maria no Brasil, Luiza tem experiência em pesquisa na Espanha em temas como Psicologia Social, migrações e estudos feministas, o que traz uma perspectiva interdisciplinar e multicultural para o seu trabalho como Psicoterapeuta. Ela oferece suporte online a pessoas em todo o mundo, ajudando-os a desenvolver habilidades para lidar com emoções difíceis e construir uma vida mais plena e satisfatória. Seu objetivo é fornecer um espaço seguro e acolhedor para que a pessoa possa explorar seus pensamentos e sentimentos, descobrir seus valores e aprender a agir de acordo com eles.
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Eu te entendo perfeitamente… Natal tem um outro significado quando efetivamente somos espontâneos. Portanto, não precisa ser especial. Nao precisa ser nada. Bora sair dessa prisão. Recomendo Netflix, iFood, e Foda-se!
Abraço sentido! Esse texto caiu como uma luva. Obrigada por compartilhar suas ideias e sentimentos tão necessários. Você é especial Lu 💛