Terapia Online para Brasileiros no Exterior

Livre-se da vergonha do sotaque: aprendizados de uma psicóloga migrante

“Ah, você é brasileira?” Junto com as minhas primeiras palavras vinha a minha frustração. Mesmo depois de levar quatro anos na Espanha eu ainda era flagrada estrangeira com poucas palavras. Com o tempo, percebi que algumas pessoas fazem comentários sobre o meu sotaque como um sinal de curiosidade e uma forma de se aproximar de mim. Neste texto, compartilho com você, como psicóloga e como pessoa migrante, como desconstruí a visão negativa que tinha sobre meu próprio sotaque e como aprendi a ver o processo de aprender outra língua de forma menos pesada. Espero que esses aprendizados sejam úteis para você também.

O sotaque é uma parte de quem somos

 

Confesso que o Espanhol sempre me deu um nó na cabeça pelas suas variações e semelhanças com o português. Em quatro anos eu já havia vivido com venezuelana, argentina, equatoriana, chilenas, mexicana, espanhóis andaluzes e valencianos, além de outras estrangeiras que não tinham esse idioma como nativo. Então imagina a mistura! É claro que eu tive que escolher uma referência para focar no meu aprendizado. Mas, ainda que eu me inspirasse no castellano, meu espanhol não deixou de ser brasileiro.

Quando finalmente aceitei as limitações da minha fluência e as imperfeições do meu espanhol, um novo mundo se abriu diante de mim. Comecei a escutar com mais naturalidade as variações e sotaques dos nativos e dos estrangeiros, acolhendo-os com compaixão e flexibilidade. Percebi que para isso era preciso enxergar as pessoas além das palavras, respeitando suas jornadas e processos, assim como eu respeito os meus. Somos muito mais do que nosso sotaque e para perceber isso precisamos, primeiro, derrubar julgamentos e preconceitos dentro de nós.

Quando se vive fora do Brasil, estar aberto/a ao novo envolve em certa medida tolerar diferentes sotaques e apreciar a beleza da diversidade. Essa postura de abertura e curiosidade pode tornar as experiências mais agradáveis e enriquecedoras. É importante refletir sobre como você escolhe se relacionar com a diversidade ao seu redor. Em vez de se sentir constrangido/a ou envergonhado/a, é possível se permitir rir um pouco de si mesmo/a e entender que sempre há algo a aprender. Aprender algo novo pode ser difícil, mas também pode ser prazeroso. A cada desafio que enfrentamos, temos a oportunidade de crescer e nos desenvolver, e isso pode ser uma experiência gratificante e transformadora.

 

Nosso sotaque é uma parte importante de nossa história e identidade. Não devemos nos sentir pressionados a eliminá-lo para sermos aceitos ou adaptados. Se você sente a necessidade de falar com mais clareza, é válido buscar melhorias na fala, mas não há necessidade de se cobrar excessivamente. Existem outras maneiras de se sentir pertencente, além de falar perfeitamente. Por exemplo, você pode se engajar em atividades de voluntariado para conhecer melhor sua comunidade, participar de grupos de conversação para trocar experiências com outras pessoas estrangeiras, praticar esportes ou participar de grupos de estudo em temas de seu interesse. O aplicativo Meet Up é uma ótima fonte de informações sobre atividades em várias cidades. Alimentar conexões com pessoas de diferentes origens pode trazer uma sensação de acolhimento e pertencimento. Não se esqueça de que você é valiosa/o e capaz, independentemente de seu sotaque ou habilidade linguística

 

 

 

Sotaque não é defeito

 

É compreensível que nos sintamos como nos sentimos diante das dificuldades enfrentadas por migrantes. Vivemos em um mundo repleto de preconceitos e discriminações que resultam em opressão e exclusão. Essas experiências são encarnadas nos corpos brasileiros e por muitos outros em todo o mundo. Para uma pessoa imigrante, a sensação de estar constantemente em alerta e ameaçado é real. Em algumas situações, buscar se “misturar” o máximo possível com os locais pode ser uma estratégia de proteção e sobrevivência. É importante lembrar que o sotaque pode ser um ato de resistência, um meio de não se apagar ou ceder a pressões para se conformar com as expectativas sociais dominantes. Devemos lembrar que nossa diversidade cultural é uma riqueza e não há necessidade de se sentir envergonhado ou inadequado por ser diferente.

Cuidar da nossa bagagem emocional é fundamental para aprender algo novo, especialmente quando se trata de aprender uma nova língua. Aprender uma nova língua é uma tarefa complexa que pode levar à ansiedade, medo e desmotivação. É comum sentir que não estamos progredindo, ter dúvidas sobre nossa capacidade e sentir vontade de desistir. Por isso, além de garantir que temos professores capacitados e recursos de aprendizagem adequados, é importante cuidar dos fatores psicológicos que afetam o aprendizado. Muitas pessoas que conheço que estão aprendendo alemão, holandês, francês, italiano e outras línguas frequentam sessões de terapia para lidar com esses fatores internos. O manejo do sotaque, como mencionei anteriormente, é um exemplo de como fatores psicológicos podem afetar o processo de aprendizado de uma nova língua.

Estou aprendendo, tenho o direito a errar

 

Aprender uma nova língua não é uma tarefa fácil. Requer tempo, determinação e muita tolerância a erros. Só nunca erra quem não tentou. Brene Brown, pesquisadora e professora da Universidade do Texas em Austin, argumenta em seu livro “A coragem de ser imperfeito” que a vergonha tem poder sobre nós apenas quando a mantemos em segredo. Quando abrimos sobre nossas vergonhas, elas começam a perder força e a murchar. É importante entrar em contato com a nossa vergonha para abraçar a nossa vulnerabilidade e nos permitir ser vistas/os, independentemente de estarmos acertando ou errando.

 

A vergonha e a autocobrança são bloqueios comuns no processo de aprendizagem de uma nova língua. O medo de ser julgado ou ridicularizado pode nos levar a questionar nossa própria qualidade como pessoa. Pensamentos como “sou burro/a” ou “incapaz” podem nos impedir de progredir. É importante lembrar que a aprendizagem é um processo e que cometer erros faz parte dele. Não é o medo, a vergonha ou a frustração que nos impedem de aprender, mas a forma como reagimos a eles, se nos impede de ir atrás do que queremos.

 

Por incrível que pareça, leva mais tempo para passar do nível intermediário para o avançado em um novo idioma, porque exige mais repertório e imersão. Por isso, é importante ser constante e manter a prática. Algumas coisas que me ajudaram a aprimorar foram: participar de encontros com outros estrangeiros porque eu me sentia mais a vontade, assistir a filmes e séries sem legenda, escutar podcasts de temas que eu gosto, escrever um diário em espanhol e ler em voz alta para me acostumar com minha própria voz. Mas me permitir falar de forma imperfeita me ajudou mais! Mesmo que me sentisse insegura e envergonhada, comecei a me expressar da melhor maneira possível no momento. Não só me dediquei a estudar, mas também tenho me dedicado a buscar reduzir minha autoexigência.

Estamos aqui para criar vínculos com as pessoas. Quando deixamos de comunicar estamos perdendo algo realmente precioso da vida e uma oportunidade de conhecer gente diferente e interessante. Eu diria algo mais: estamos perdendo a chance de permitir que as pessoas nos conheçam de verdade. Não vamos atrás daquele emprego legal por achar que não vai dar pra bancar. Não nos apresentamos em um congresso para não estarmos tão expostas/os. Não fazemos aquele intercâmbio dos sonhos. Não fazemos a faculdade que nos interessa, ou o mestrado que pode ajudar na nossa carreira. Deixamos de ler um livro interessante ou um artigo importante recém-publicado. Ou ainda, perdemos de nos aproximar das pessoas locais porque achamos que a relação não vai aprofundar.

Viver com coragem significa assumir riscos

Existe o risco de errar, de tropeçar nas palavras, de dar branco e deixá-las escapar, de não conseguir transmitir tudo o que a gente gostaria de dizer. Que riscos valem a pena correr em nome do que é importante para nós?

 

Volte a lembrar, todas as vezes que precisar, que o seu sotaque conta a sua história. E a sua história importa. Honre os seus passos, celebre as suas conquistas, confie na sua jornada e se orgulhe do quão longe você já chegou! Só você sabe o que teve que enfrentar para ESTAR AQUI, AGORA. Termino com essa frase, digna de ser colada no espelho, atribuída à Amy Chua: “Você sabe o que é um sotaque estrangeiro? É um sinal de coragem.”

 

Um abraço da Psi Luiza Sbrissa

Você gostou desse texto? Seus comentários são bem-vindos a baixo!

A terapia online da Intercambiamente pode te ajudar com os bloqueios emocionais no aprendizado de novos idiomas. Marque uma sessão clicando aqui ou tire suas dúvidas.

 

 

Quem escreve:

 

Luiza Sbrissa é Psicoterapeuta especializanda em Terapia de Aceitação e Compromisso e Mindfulness, e se dedica a ajudar brasileiros/as e hispanohablantes que vivem no exterior a melhorar sua saúde mental e bem-estar. Com formação em Psicologia e Mestrado pela Universidade Federal de Santa Maria no Brasil, Luiza tem experiência em pesquisa na Espanha em temas como Psicologia Social, migrações e estudos feministas, o que traz uma perspectiva interdisciplinar e multicultural para o seu trabalho como Psicoterapeuta. Ela oferece suporte online a pessoas em todo o mundo, ajudando-os a desenvolver habilidades para lidar com emoções difíceis e construir uma vida mais plena e satisfatória. Seu objetivo é fornecer um espaço seguro e acolhedor para que a pessoa possa explorar seus pensamentos e sentimentos, descobrir seus valores e aprender a agir de acordo com eles.

 

 

 

 

 

 

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