Todas as vezes que eu me mudei para uma cidade nova eu me senti como uma criança. É como se eu tivesse que aprender tudo de novo e do zero. Como me locomover, o que comer, de que jeito expressar minhas necessidades e buscar como atendê-las. O básico custa esforço e leva tempo. As vezes não nos damos conta, mas reproduzimos atitudes sofridas que podem prejudicar a construção de uma vida que vale a pena ser vivida no exterior.
A imagem de uma criança é a que melhor expressa como eu me sinto. O que parecia ser garantido anteriormente na vida no Brasil se torna uma preocupação no novo lugar, que ocupa tempo e energia. Foi assim meses na Argentina e na Itália e anos na Espanha. Sei que, mesmo acumulando uma boa bagagem de sabedoria com essas experiências, voltarei a me sentir assim quando me mudar novamente.
Algumas pessoas que acompanho em terapia também se veem em diferentes idades dependendo do idioma em que se expressam, do grupo de pessoas que estão cercadas ou dos desafios que enfrentam. Uma delas, por exemplo, que já passou por todo o processo de habilitação para dirigir no Brasil e agora está fazendo tudo de novo na Alemanha, como se tivesse 18 anos novamente.
Esse processo também acontece ao se preparar para mais uma entrevista de emprego em outra língua ou cultura. Pessoas que já trabalham anos em diversos lugares e se percebem como crianças ao não saber sobre o que esperam dela em sua maneira de falar, se portar, se dedicar… Nesses momentos podem surgir sentimentos de frustração, irritação, cansaço, vergonha, insegurança, despreparo e incapacidade etc.
📌 Temos falado aqui sobre o choque cultural e como ele faz parte de um processo maior que é o de adaptação a um novo lugar e a uma outra cultura. Por mais desagradável ou ambíguo que possa ser — um misto de empolgação e frustração — é inevitável passar por isso.
Existem alguns fatores que observo na minha experiência pessoal e como Psicóloga que podem potencializar o choque cultural e torná-lo mais difícil e sofrido. Algumas das principais atitudes sofridas podem ser:
- Não ter paciência e querer se sentir como em casa da noite pro dia. Sim, leva um tempo e precisamos aceitar o quanto for preciso. Não importa quantas vezes você já viajou, já mudou de cidade ou viveu experiências diferentes. As atuais circunstâncias podem te trazer novos desafios. Identifique como você se sente nessas situações, acolha e não se exija tanto.
- Se comparar com outras brasileiras. Não importa se a pessoa chegou no mesmo período que você, se compartilham as mesmas oportunidades ou qualquer outra coisa. “Por que ela consegue e eu não?”. Se comparar é sofrer! Cada pessoa conta com recursos internos e externos diferentes. Isso não te faz melhor nem inferior. Os desafios na vida são diferentes. A régua para medir um avanço ou sucesso não deveria ser a mesma. É injusto. O que pode ser vivido com facilidade por você pode ser uma dificuldade para a outra pessoa. Todos temos o que ensinar e o que aprender. Conhecer outras histórias de vida servem para nos inspirar e não medir o nosso valor, não confunda as duas coisas!
- Encarar o choque cultural só como uma barreira e não também como uma oportunidade para conhecer e experimentar novas formas de se viver e de se relacionar, desfazer preconceitos, romper paradigmas e abrir nossa mente, tirando proveito dessas experiências para tornar-nos seres humanos melhores!
Por outro lado, nos momentos difíceis e dolorosos que me vi como uma criança, eu assumi que ainda tenho muito a aprender sobre a vida. Tive a oportunidade de me abrir e ser curiosa. Me reconectei com a humildade de que está tudo bem não saber e que errar é necessário para seguir. Pude sentir instantes mágicos de encantamento e achei coragem onde eu pensei que não havia mais uma gota. Fui atrevida e teimosa para ir atrás do que eu queria. Com a liberdade para fazer de novo e de novo, abraçada por um sentimento de esperança de uma vida com mais sentido.
Você já se viu tendo algumas dessas três atitudes? Qual você gostaria de trabalhar na sua vida? Quais outras coisas podem tornar a mudança de cidade / país mais sofrida? Conta pra gente o que tem te ajudado a diminuir o incômodo do choque cultural e inspirar outras pessoas aqui! Queremos ouvir a sua história. Ela é valiosa do jeitinho que é e, por favor, não se esqueça do tão longe que você chegou!
Esse texto foi inspirado nos meses que eu passei na Itália em 2020. Foi um desabafo, porque eu senti novamente na pele um reaprender a viver.
Um abraço da Psi Luiza Sbrissa.
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Quem escreve:
Luiza Sbrissa é Psicoterapeuta especializanda em Terapia de Aceitação e Compromisso e Mindfulness, e se dedica a ajudar brasileiros/as e hispanohablantes que vivem no exterior a melhorar sua saúde mental e bem-estar. Com formação em Psicologia e Mestrado pela Universidade Federal de Santa Maria no Brasil, Luiza tem experiência em pesquisa na Espanha em temas como Psicologia Social, migrações e estudos feministas, o que traz uma perspectiva interdisciplinar e multicultural para o seu trabalho como Psicoterapeuta. Ela oferece suporte online a pessoas em todo o mundo, ajudando-os a desenvolver habilidades para lidar com emoções difíceis e construir uma vida mais plena e satisfatória. Seu objetivo é fornecer um espaço seguro e acolhedor para que a pessoa possa explorar seus pensamentos e sentimentos, descobrir seus valores e aprender a agir de acordo com eles.
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